segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Sobre o carrasco - Parte 1 - A infância

Na trajetória cheia de curvas em que se resume nossas vidas, sempre nos deparamos com alguns tipos estranhos e dementes. Sujeitos que parecem ter sido escarrados na face desse mundo para transformar nossas vidas em uma sucessão de mazelas.

Passei boa parte da infância tendo que me esconder do “Dersôn”, um maltrapilho com cabelo estilo estopa, que parecia planejar seus dias em função da minha humilhação pública e do medo que parecia farejar exalando dos meus poros. Começou por causa de um maldito óculos fundo de garrafa que minha mãe resolveu comprar e chumbar na minha cara recheada de tecido adiposo. Nada tão grave, não fosse o fato da armação ter o Mickey gravado em alto relevo de um lado e a Minnie do outro, além de uma haste flexível que contornava toda a estrutura da orelha e terminava logo abaixo do lóbulo com uma esfera de metal dourada, muito semelhante a um brinco.

Depois de esgotar todo seu repertório acerca da minha acuidade visual, ele resolveu partir para outro approach. Uma professora gorda, mal paga e infeliz não me deixou sair da sala em um momento de extrema disfunção intestinal e apesar de todo esforço, suor e calafrios, não foi possível segurar, me borrei todo. Já dá pra imaginar todo o universo de chacotas à disposição do Dersôn. Depois de quase um ano de intensivos insultos e perseguição, a piada já não tinha tanta graça, e eis que meu pai resolve entrar em cena.

Me lembro como se fosse hoje. Era uma sexta-feira nublada e razoavelmente fria. Tivemos, eu e mais dois amigos, a infeliz idéia de cabular aula pra tentar “zerar” o novo jogo de Super Nintendo que um deles acabara de ganhar do pai. Até então só se passava pela minha cabeça que esse seria um dia de folga do Dersôn e da velha e enrugada professora de História, a mesma que há alguns minutos havia ligado para o meu pai pra avisar que tinha me visto pular o muro da escola e seguir rumo à avenida João Naves de Ávila. Subi as escadas do colégio a socos, pontapés e gritos. Vários alunos presenciaram o ocorrido, inclusive meu carrasco, que estava a descansar das aulas em seu habitat natural, o pátio do colégio. Pronto, era repertório para mais um ano.

O tempo passou, o Dersôn foi expulso do colégio, veio a ser preso anos depois e provavelmente já vestiu o paletó de madeira.

Eu consegui chegar à adolescência e fui para um outro colégio. Ali começava mais um show de horrores.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Sobre o só

Não, isso não é anúncio de site de relacionamento, namoro pela internet ou panfleto da Mãe Dinah, aquela que faz amarração para o amor e traz a pessoa amada em 2 dias. Isso é um pedido encarecido de abolição do uso da palavra “só” nas dependências de qualquer agência de propaganda do Brasil e do mundo. Entendeu? Não? Eu explico.

Sabe aqueles dias em que as coisas andam tão fudidas que uma praga de gafanhotos no Egito ou uma epidemia de lepra não parecem ser assim tão mal? O job tá atrasado, baixou o Fred Mercury no produtor gráfico, a arte-finalista tá no banheiro chorando, o mídia começou a mostrar sinais de dupla personalidade (uma delas homicida), o diretor de criação está arrancando os últimos tufos de cabelo que lhe restam, o redator tá na web em busca de uma passagem só de ida para o Afeganistão, o diretor de arte sai à procura de água pra descer o oitavo Prozac do dia e eis que o cliente liga e fala assim: “Pede pro pessoal dar um jeito de colocar a palavra 'barbatimão' no texto, pois o patrão gosta dela, e chegar a imagem do porco deitado em cima do aparador dois dedinhos pra esquerda.”

Pronto. Aí fudeu!

Lembra do filme Efeito Borboleta? Aquele com o atorzinho de segunda e a loirinha com cara de stripper. Pois é, em publicidade as coisas são mais ou menos como no filme. O bater de asas de uma broboleta* no Japão pode desencadear um tornado aqui em terras tupiniquins. Nada é tão simples quanto parece. Até porque não sei qual a espessura do dedinho do cliente. Se for como o da minha antiga professora de matemática, Dona Onélia, a imagem do porco em cima do aparador vai uns 20 centímetros pra esquerda e vai cair bem em cima da assinatura. Aí, sim, as coisas vão se complicar.

Portanto, caros colegas de profissão, tratemos de riscar a palavra de nossos dicionários e apagar de nossas memórias. Só assim teremos... Vixi já usei a palavra de novo...

*Falando sério. Se a palavra fosse “broboleta” ao invés de “borboleta” não seria bem mais bonitinha?

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Sobre Zeus

Os Jogos Olímpicos surgiram na Grécia em 776 a.c. como um tributo aos deuses, entre eles Zeus, deus do céu e da terra, senhor do Olimpo, deus supremo. De ascendência nada modesta, filho dos titãs Cronos e Réia, Zeus tornou-se temido e venerado. Atribui-se a ele o poder de controlar raios, trovões, chuvas e tempestades, daí tamanho respeito da população pelo barbudo de cara fechada e traços fortes.

Voltando ao Jogos Olímpicos. Eles foram proibidos no ano de 393 da era atual por serem considerados uma manifestação do paganismo. Voltaram em cena em 1896 e perduram até hoje, tendo sido interrompidos apenas quando a coisa ficou feia durante a Primeira e Segunda Grande Guerra Mundial.

Passaram a ser o símbolo máximo da união entre os povos, do respeito à liberdade e da superação humana. Mas o simbolismo vai muito além. As Olimpíadas se tornaram demonstração de poder econômico, bélico e político. Vide Munique (1976), Moscou (1980), Los Angeles (1984), Atlanta (1996) e Pequim (2008).

Mas Pequim? - pegunta você. - Mas não teve nenhuma bomba que não às dos fogos de artifício ching-lings!

Sim, respondo eu. - Nem só de bombas se faz uma guerra.

A guerra que vimos nesse último mês foi um guerra não declarada. De um lado uma potência que quer se tornar superpotência e do outro uma superpotência com as pernas meio bambas e uma ressaca de anos de poder absoluto. De um lado a tentativa inútil de maquiar a fera para vendê-la como bela, do outro a bela madrasta malvada. De um lado o Tibete, a poluição e o terrorismo, do outro o Iraque, a poluição e o terrorismo.

A China possui 135 milhões de pessoas na pobreza, vivendo com menos de US$ 1,25 por dia, mas gastou 42 bilhões de dólares nos jogos (120 milhões só na cerimônia de abertura). Já os custos da guerra no Iraque devem chegar aos 2 trilhões de dólares, enquanto os Estados Unidos vivem a maior recessão desde a quebra da bolsa de valores em 1929.

Sim caro amigo, cara amiga, isso é uma guerra. Mas está só no começo. As Olimpíadas de Pequim geraram mídia espontânea para o país e deixaram em todos a sensação de que nada de mau pode vir daquele povo de olhinhos puxados e sorriso estampado no rosto. Espere e verá. Daqui há 20 ou 30 anos seus filhos ou netos estarão aprendendo mandarim, chop suey estará no cardápio de qualquer fast-food e ping-pong será preferência nacional ao invés do futebol.

E por falar em futebol... Melhor deixar pra lá.

Vamos nos focar agora nas Olimpíadas do Rio 2016. Treinamento pesado pra que o Brasil não faça feio em casa, muito amor pela camisa e a certeza de uma coisa: Zeus é Brasileiro!

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Sobre o lóbulo frontal

Naquela manhã fria de agosto o barulho incessante dos ônibus que corriam rumo ao Terminal Tietê a acordou, ainda teve alguns poucos minutos de semi-consciência até o vira-lata recém adotado pela família entrar no quarto para despertá-la de vez. Aquele incômodo vindo das quatro cervejas (ou seriam cinco?) com intervalos regulares para doses de tequila atacava impiedosamente seu estômago e o lóbulo frontal do seu cérebro, logo ele que havia sido apresentado a ela dois dias antes na aula de anatomia do curso de psicologia, claro, não o dela, mas o de algum indigente que morreu caído em alguma sarjeta vítima de um ataque cardíaco fulminante.

Ao se olhar no espelho a surpresa frente a tamanha desorganização capilar, o que a fez recordar dos incessantes movimentos com a cabeça ao som de David Bowie, mergulhada na fumaça densa de cigarros e outros cigarros. Aquele frio intenso que sentia contrastava com o calor intenso do seu quarto, proveniente de um aparelho fajuto de aquecimento comprado pela sua mãe de algum vendedor por telefone. Novamente à sua memória a aula de anatomia e a afirmação do professor de que o cérebro requer 25% de todo o sangue bombeado pelo coração, talvez essa fosse a causa de tanto frio.

Precisava se arrumar, pegar dois ônibus e metrô para, depois de duas horas, começar sua rotina de entrevistas no departamento de recursos humanos de uma multinacional. “Agora sim minha filha, você tomou jeito. Trabalhando em um emprego com carteira assinada e com perspectiva de algum dia se tornar chefe do departamento. Estou orgulhosa!” dizia a mãe todos os domingos durante a macarronada em família. Família composta por meia dúzia de almas. Dona Dirce, a mãe, tivera apenas dois irmãos, um dos quais morreu ainda criança atropelado por uma carroça guiada por um carroceiro embriagado. O outro, mais velho, sofria do mal de Alzheimer e se arrastava da cama para a mesa e vice-versa. Estava sentado ao seu lado, com um babador sobre o peito e uma colher de plástico daquelas de festas infantis na mão. Os pais de Dona Dirce morreram há mais de dez anos, no sertão de Pernambuco, logo, estavam ali somente em espírito, como ela mesma gostava de acreditar. O único primo ainda vivo estava sentado na ponta da mesa e todo domingo repetia a mesma piada sem graça de que pagaria a conta, apesar de dever à prima mais de dois mil reais, emprestados com o intuito de que ele comprasse uma barraca na feira, mas o mesmo preferiu naquele momento dar entrada em um Opala Diplomata 1988, o mais novo de São Paulo, dizia ele, e continuar desempregado até a última parcela do seu seguro-desemprego. Haviam ainda dois outros familiares, um tio recém chegado à cidade e uma tia, ex-freira que deixou de lado o hábito para se dedicar à política. Já conseguira se tornar presidente da Associação de Moradores do seu bairro e queria se candidatar a vereadora nas próximas eleições.

Essa era a família de Dona Dirce, ou pelo menos o que havia sobrado dela. Uma família disfuncional “mas nos dias de hoje, qual família não é?” perguntava à filha sentada à mesa do café da manhã, tentando se concentrar e lembrar do nome do rapaz com quem havia se enroscado no banco de trás do carro na noite passada. Só lembrava do perfume, amadeirado, pouco doce mas muito enjoativo. Talvez fosse ele, o perfume, não o rapaz, o responsável pelo incômodo no lóbulo frontal.

Fazia uma varredura pelo córtex pré-frontal - ou seria entorrinal? - em busca de qualquer informação que levasse a uma identificação positiva do sujeito. Mas a sensação de agulhas de crochê costurando seu cérebro atrapalhava a concentração, sensação exponencialmente agravada pelo som agudo do interfone que tocou por infinitos dois segundos a menos de um metro do seu sistema auditivo.

É uma amiga sua do trabalho. Passou pra te dar uma carona – disse a mãe.

Não se lembrava de ter combinado uma carona para o trabalho. Até porque só tinha uma amiga que fazia algumas matérias na mesma classe mas que morava do outro lado da cidade e não tinha mais do que passes de ônibus e cartão para o metrô.

“Melhor do que ficar espremida feito sardinha em uma lata que a prefeitura prefere chamar de ônibus.” pensou ela enquanto descia as escadas, ainda tentando lembrar do rapaz da noite passada.

À frente da portaria do edifício onde morava só havia um carro parado, logo, pensou que devia ser sua carona, apesar de nunca ter visto, ou mesmo entrado em um carro como aquele. Grande, luxuoso, preto, com cara de importado.

“Bem melhor que ônibus lotado.” Foi o que veio à sua cabeça enquanto abria a porta e sentava-se nos bancos de couro em duas cores.

Estranhou a pessoa sentada ao volante, mas depois de uma rápida vasculhada pelo córtex pré-frontal, ou entorrinal, tanto faz, veio à sua mente a lembrança da figura da Diretora Geral de Pessoas da empresa, ao seu olfato o perfume amadeirado, pouco doce mas muito enjoativo e às suas mãos a proposta para chefe do departamento de contratações da empresa.

Pronto, o sonho da mãe estava realizado. E se lembrou da letra da música de Bowie da noite passada “We can be heroes just for one day. We can be us just for one day.”, o que melhorou o incômodo no lóbulo frontal, mas afetou gravemente o sistema límbico, responsável pelas emoções e auto-controle, conforme havia explicado seu professor dois dias antes.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Sobre a lei e a embriaguez

Está em vigor. Lei que garante penas mais severas e multas mais pesadas para os que dirigirem sob o efeito de álcool já está nas ruas. Bebeu um golinho, suspensão da carteira e multa de quase mil reais. Bebeu muitos golinhos, pode até ser preso.

A eficiência de leis como essa pode ser comprovada em países que passaram a aplicá-la e a cumpri-la. Nos Estados Unidos a punição para aqueles que dirigem embriagados pode ser extremamente severa, vai de aulas obrigatórias e reuniões em Alcoólicos Anônimos até prisão, sem direito a fiança. Na grande maioria dos países da Europa leis semelhantes já vigoram há tempos.

E no Brasil? A coisa vai mesmo funcionar? A fiscalização vai existir? As penalidades serão aplicadas?

Mais do que isso. Essa lei é justa? Ou aplicável no contexto tupiniquim?

Não, não é. O universo em que nós vivemos é completamente diferente do universo dos países de primeiro mundo onde a legislação acerca de álcool e direção realmente funciona. É muito mais fácil simplesmente proibir do que criar meios pelos quais atitudes que coloquem em risco a vida de si próprio e de próximos não sejam tomadas. Cidades como Nova Iorque, Washington, Los Angeles, Londres, Tóquio, Paris, Melbourne, Toronto, entre outras tantas, possuem meios que justificam leis tão severas, penas tão duras.

No Brasil existe uma falsa sensação de direito ao lazer e à diversão. Em lugar algum se especifica que lazer e diversão não incluem uma cervejinha ou um bom vinho. É certo dirigir completamente embriagado arriscando vidas? Definitivamente não! Mas ao mesmo tempo é justo andar a pé e ser assaltado, talvez assassinado? Também não.

Seria muito mais fácil para todos e melhor para o meio ambiente deixar o automóvel em casa e pegar um metrô, ou ônibus para a boate ou bar mais próximo. Isso sim soa justo pra mim. O governo utilizando a verba arrecadada através de tantos impostos sobre o trabalho suado de tantos milhões de brasileiros em transporte público de qualidade e segurança nas ruas, isso sim é justo.

Mas não. É mais fácil proibir e coagir pelo medo, mesmo que um medo um tanto infundado, visto que o número de bafômetros nas ruas e rodovias corresponde a menos de 20% do necessário, ou que parte da polícia se corrompa tão facilmente, visto que a justiça possui tantas brechas que favorecem os que andam à margem da lei.

E com tudo isso nem nos lembramos mais de dossiês fantasmas, dos gringos cada vez mais à vontade para se apropriarem da Amazônia, da máfia das carteiras de habilitação falsificadas, ou mesmo daquela menininha que despencou do sexto andar. Qual o nome dela mesmo?

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Sobre os Gersons

Malandragem e jeitinho brasileiro. Não os tenho, não quero tê-los. Pelo menos não no sentido pejorativo, que já nem sei mais se é mesmo pejorativo, já virou eufemismo pra ladroagem. Associação involuntária à essência nacional. Vai desde o ladrão de galinhas até os de colarinho branco. Cada qual querendo ganhar o seu. De preferência sem muito esforço, afinal de contas, o Brasil é um país tropical abençoado por Deus e se esforçar muito cansa, ainda mais sob o sol escaldante dos trópicos. Melhor mesmo é sombra, água fresca e bolsa-família.

O nauseabundo que vos escreve já conheceu muitos brasileiros, de várias regiões, sotaques, crenças, opções sexuais e morais. Figuras ímpares do cotidiano tupiniquim já passaram pelos olhos e ficaram gravadas na memória deste errante. Muitas dessas figuras vieram de encontro ao nauseabundo em noites gélidas de inverno no hemisfério norte, regadas a muita cerveja, tequila, mentira e ferormônios. Alguns em busca de riqueza, outros de diversão. E tudo acabava em pizza, sem trocadilhos.

Em termos gerais, os nativos dessa terra esteriotiparam os brasileiros como um povo alegre, bom de futebol, trabalhadores árduos e competentes, mas pilantras. Isso mesmo, pode dar emprego a um brasileiro, até recebê-lo em sua casa, mas fique com os olhos bem abertos senão eles levam até sua alma. Claro que praticamente todos eles desconhecem praticamente tudo sobre nós. Mas como julgá-los se “nós” mesmos nos apresentamos assim. Tentando levar vantagem sobre tudo e todos. Brasileiro bom é brasileiro esperto, que paga menos e ganha mais do que o outro. Não é mais ou menos assim que grande parte de nós leva sua vida?

Minhas sinceras desculpas pela generalização apressada, mas assistir o telejornal faz qualquer um acreditar que essa condição é regra e não exceção. E depois de viver quase um ano entre brasileiros em um país que não o nosso reforça ainda mais essa crença.

É possível ver de tudo um pouco, de falsificação a latrocínio, passando por fraudes, estelionato e, claro, prostituição, que o diga o governador de Nova Iorque. O primeiro conselho dado por um brasileiro nessas terras: Não confie em brasileiros! Simples assim. Afirmação clara e concisa, sem meio-termo. Claro que um pouco exagerada, mas ainda assim bastante útil.

Em conversa com outro nauseabundo errante recém-chegado de terras orientais, a mesma constatação e uma informação que deixa qualquer tupiniquim envergonhado. Na terra do sol nascente a maior comunidade carcerária imigrante é de - adivinhe?! - brasileiros. Em algumas cidades com alta concentração de dekasseguis – pessoas que emigram para o Japão em busca de trabalho – há mais brasileiros nas cadeias do que os próprios nativos.

Aqui vai um apelo desesperado de um brasileiro que trabalha muito e só tem o que é seu por direito: Não façam isso! Não manchem a imagem de todo um povo em busca de benefícios pessoais e realizações materiais. O nosso povo é muito mais do que isso. Não queremos ser barrados em um posto de imigração espanhola e tratados como vendedores de sexo, não queremos ver americanos nos negando a abertura de uma conta bancária, não queremos um japonês mudando de calçada ao passar por nós. Só queremos respeito em países em que somos convidados - repito: convidados - a visitar ou morar.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Sobre a Janis, o Led Zeppelin, os Beatles e os Rolling Stones

“É tão estranho, os bons morrem jovens. Assim parece ser quando me lembro de você. Que acabou indo embora, cedo demais.” Renato Russo

Certa vez conheci um garoto que à primeira vista era como qualquer outro, com suas incertezas, inseguranças e rebeldia. Isso foi 1995, primeiro ano do ensino médio.

Esse garoto cuja ascendência nunca foi revelada – algo entre turco e libanês – tinha um poder incrível de cativar as pessoas com sua simplicidade e naturalidade, talvez por isso vivesse tão rodeado de amigos.

Uma figura ímpar. Nascido em uma família de classe média alta, tradicional, com posses e sobrenome conhecido lá pras bandas do Triângulo Mineiro, ele optou pela simplicidade. Na verdade acho que nem foi uma opção, e sim o caminho natural a ser percorrido pela sua alma. Não podia ser de outra forma, ele era assim, nem dinheiro, fama ou prestígio poderia mudá-lo. Não sonhava com carros importados e sim com uma Kombi, pois esta seria como seu coração, grande o bastante para caber todos os amigos.

Era uma figura despretensiosa, sem grandes ambições, só sonhava em ser médico, não por dinheiro, conforto ou status, creio eu, mas para continuar cicatrizando as feridas do corpo e da alma das pessoas. Podia ser tudo o que quisesse, era de uma inteligência impressionante, multitalentoso e dono de um carisma que lhe abriria todas as portas que quisesse. Mas como já disse, era despretensioso, alheio aos padrões impostos pelos modismos de uma cidade ainda com ares coronelistas, parecia se divertir com as críticas e olhares infames sobre as suas roupas, seu cabelo, sua barriga, sua linguagem propositalmente chula e seus trejeitos espalhafatosos.

Teve que amadurecer muito cedo, graças à perda prematura do pai. Caiu sobre ele toda a responsabilidade de “homem da casa”, por ser o mais velho filho varão. Tarefa desempenhada com sucesso, que lhes digam os irmãos e a mãe viúva. Talvez por ter amadurecido assim tão rápido, sua missão nessa Terra tenha se completado ainda tão cedo. Quem pode entender os desígnios de Deus? E por isso se foi, se despediu de todos nós naquela curva com o motor em alta rotação e o coração disparado.

Não tive coragem de vê-lo no caixão, queria guardar só as imagens felizes de outrora, por isso fiquei lá, olhando com os cantos dos olhos o perfil da caixa de onde saíam suas mãos pousadas sobre a barriga. Senti-me impotente, sozinho.

Ele não chegou a se formar médico, mas tenho a certeza de que está agora curando as feridas dos que a ele chegam, enfermos de toda uma vida passada nesse planeta.


terça-feira, 6 de maio de 2008

Sobre o certo... e o errado

“A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística.”
Joseph Stalin


O que seria do mundo se não tivéssemos passado por duas grandes guerras mundiais? Deixando de lado por um tempo a nossa humanidade e coesão social; e analisando friamente dados desde o início da 1ª Guerra Mundial em 1914, até os dias de hoje, a conclusão pode ser assustadora. Viveríamos hoje em uma sociedade muito diferente dessa que você conhece.

Durante todo o curso da 1ª Grande Guerra Mundial estima-se que 40 milhões de pessoas morreram, durante a 2ª Grande Guerra Mundial mais de 72 milhões, Vitenam, por volta de 1,6 milhão de mortes, Coréia, 1,5 milhão, Kashmir, Iraque, Afeganistão, Kargil, Palestina, Congo, Ruanda, Haiti, alguns outros milhões. Somando tudo temos centenas de milhões de mortos desde o início do último século.

Sem todas essas guerras, estima-se que a população seria hoje, aproximadamente 20% maior, ou seja, teríamos mais 1,2 bilhão de pessoas utilizando combustíveis fósseis, se alimentando, bebendo água, produzindo esgoto, buscando tratamento médico, etc. Pare por um instante e pense no impacto de tudo isso no status quo atual. Pare e pense na calamidade em que vive o mundo atual e como seria com mais 1 bilhão e 200 milhões de pessoas.

Some a tudo isso o atraso tecnológico que certamente seria parte da realidade atual em que vivemos.
Se um dia foi possível lançar foguetes e telescópios ao espaço, sondas a Marte, ônibus espaciais à Lua; se foi possível atravessar o Atlântico de Londres a Nova Iorque em pouco mais de duas horas, ou dar a volta ao mundo em um helicóptero; se foi possível um dia gerar energia suficiente para iluminar cidades inteiras a partir de gramas de plutônio, deutério ou tório; ou ainda se foi possível este que lhe escreve postar esse texto em um blog na grande rede mundial de computadores ou falar com você ao celular; tudo isso se deve aos avanços tecnológicos provenientes das corridas pré e pós-guerras.

Pense ainda nos avanços da medicina no último século (devido em grande parte, diga-se de passagem, aos experimentos realizados com judeus durante o holocausto), nos avanços jurídicos advindos em grande parte da luta de entidades humanitárias durante confrontos passados, ou ainda nos avanços na agricultura. Você sabia que a base para os pesticidas lançados hoje nas plantações de todo o mundo veio de um componente de armas químicas utilizadas durante a 1º Guerra Mundial?

Seria insano e desumano acreditar que o conforto e a modernidade em que vivemos hoje pode justificar todas as vidas perdidas em um século na escuridão. Vidas essas que ainda se perdem no Oriente Médio, África, Américas Central e Latina, Ásia. Mas que é impossível deixar de pensar no que seria de nós hoje, isso é.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Sobre a nudez


Nunca gostei de me abrir, de deixar as pessoas me conhecerem muito bem. Exceto por aquelas a quem me apegava, por vontade ou necessidade. Hoje descobri que todo mundo me conhece. Sabem do que gosto, do que quero, quem já fui, quem nunca vou ser. Todo mundo sabe tudo. Sou um livro aberto de onde adjetivos, substantivos e verbos se desprendem esvoaçantes para entrar na casa de qualquer um. A culpa de tudo isso: INTERNET.

Isso mesmo, a mais importante invenção desde o transistor. A internet. Peraí que já explico. Mas antes gostaria de contar duas coisas importantes. Primeiro sobre a minha id. Ela é inconstante, latente e escusa. Perambula por caminhos sombrios e enlameados, com prostitutas mancas vendendo aceitação em frente a um bar com porta de madeira, tipo aquelas dos bares dos filmes de faroeste. Ela funciona à base de criatividade, cerveja e despudor, não necessariamente juntos. Segundo sobre o que a primeira me leva a fazer. Algumas passagens me envergonham e estão trancadas na cela mais fria, escura e úmida do meu superego.

Voltando à internet. Ela é responsável pela minha nudez social. Quem consegue resistir a um bom site de relacionamento? Parece que foram criados pra cimentar a lacuna entre você e qualquer um no mundo. Me senti parte de algo maior. Era como se eu tivesse o mundo dentro do meu Pentium 2. E sorrateiramente esses sites me fizeram acreditar que todos aqueles profiles eram de seres humanos bons, tão solitários quanto eu; e que queriam me conhecer.

Contei tudo, ou quase tudo. Nove páginas de perfil no Orkut. Outras tantas no Hi5, mais algumas no Tagged, no Flickr, no MySpace, no PlixNet, entre outros. Um vício alimentado pelos e-mails de amigos com convites pra me associar a mais um grupo social. Vinha aquela falsa sensação de que enfim eu fazia parte de um grupo, aliás, de vários. Podia caminhar entre os nerds, os ricos, os pobres, os loucos.

Mas numa tarde ociosa de terça-feira a verdade veio ao meu encontro e me esbofeteou com sua mão pesada e polida. Não era parte de nada. Os que não eram meus amigos antes continuam não sendo, os que eram ainda são, os novos estão em estado probatório; e por aí vai. Não mudou nada, exceto pelo fato que agora todo mundo sabe tudo de mim. PLAFT!!! Outra esbofeteada da verdade. É mentira. Ninguém sabe nada a mais, pois quem nunca se interessou não passou a se interessar e ler as letras miúdas dos meus perfis, os que se interessavam não precisaram ler pois já sabiam. Continua tudo do jeito que estava há 10 anos atrás.

E assim despeço-me dos sites de relacionamento. Quem quiser me conhecer, me reencontrar, telefonar, conversar, que me procure na lista telefônica ou na de foragidos. Sem mais scraps, depoimentos ou mensagens instantâneas.

P.S.: Só conheci uma pessoa com menos de 50 anos de idade que conseguiu resistir às tentações das redes de relacionamento. Muito mais por medo do que por vontade. Não é Paulinha?

P.P.S.: Dez minutos depois de postar, ao abrir o Orkut pra cancelar minha conta, desisti. Vai continuar tudo do mesmo jeito. Scrap, depoimento e mensagem instantânea. É mesmo muito mais fácil falar do que fazer.



sexta-feira, 11 de abril de 2008

Sobre o cartão


terça-feira, 1 de abril de 2008

Sobre o BOOM, CRACK, PLAFT, BANG!!!

Onomatopéia: figura de linguagem que designa expressões ou palavras cuja sonoridade imita a voz ou ruídos de objetos ou animais.

Fui publicitário um dia, deixei de ser, voltei a ser e continuo sendo até segunda ordem. Sempre convivi com os modismos da profissão. A máxima “Nada se cria, tudo se copia” sempre esteve presente nos reclames publicitários, mas parece que atualmente a coisa desandou. Ficou descarado demais.

Um exemplo claro vem dos anúncios de magazines. Em 30 segundos de VT você não consegue passar mais de três sem ouvir um estridente BOOM, CRACK, PLAFT e/ou BANG!!! Já nem sei mais quem é locutor e quem é FX, misturou tudo.

Será mesmo necessário tanto ruído para se conseguir a atenção do consumidor e fixar a mensagem em seu subconsciente? Não sei, só sei que todo mundo faz então vou fazer também.
A coisa já estava me incomodando muito, mas o caldo entornou de verdade quando vi o reclame de uma universidade particular anunciando um plantão de vestibular com todos os BOOMS, CRACKS, PLAFTS e BANGS acima, e mais alguns outros que nem me recordo. Melhor assim. Aí não!!! A brincadeira ficou sem graça. Como sou o dono da bola, vou levar comigo e ninguém brinca mais. Universidade não! Não pode! Foge de tudo que mamãe disse ser certo.

Amigo, amiga. Apesar de algumas parecerem, universidade não é celular, não é televisor, não é cama de casal, muito menos armário. Não se anuncia como um bem de consumo semidurável. Nem universidade, nem plano funerário e nem casa de massagem.

Estava atordoado diante do que vi, resolvi então sair no encalço do responsável por aquela barbárie. Contatei amigos da CIA, subornei fontes do governo e contei até mesmo com a ajuda de Jack Bauer para rastrear o paradeiro do alvo. Me aproximei, paguei para ele uma cerveja, conquistei aos poucos sua confiança e puxei conversa como quem não quer nada. Tive a confirmação. Ele era apenas um mero publicitário seguindo ordens de alguém muito mais poderoso: o cliente. Com os olhos marejados e um nó na gargante ele me confessou: “Tentei argumentar, mas o cliente estava irredutível. Era sua palavra final. O anúncio teria que ser como o do magazine local”. Ele se deu por vencido e por medo de represálias contra a sua vida e a de sua família acatou as ordens.

Cliente, peço encarecidamente. Não faça isso. Dê ouvidos a nós, simples mortais, publicitários.

Um ex-patrão costumava me dizer que odiava “achismos”. Acho isso, acho aquilo. Concordo com ele. Nada pior que um empresário achar que seu cliente é assim ou assado, simplesmente por achar. Não se conhece bem uma pessoa antes de uma boa pesquisa e de muita observação empírica. Acreditar no contrário é atribuir ao ser humano uma complexidade inferior à de uma cabra.


Já ouvi muitos pseudo-especialistas gritarem em alto e bom tom que seus clientes não entenderiam, nem gostariam de uma campanha de bom gosto, limpa, inteligente, simplesmente porque esses clientes seriam de classes C, D ou E.

Desde quando dinheiro ou estudo garantem necessariamente bom gosto e inteligência?

Desde quando é necessário ser milionário para se visitar o MASP? Desde quando é necessário ser PHD em física quântica para acessar a internet e baixar a obra completa de Machado de Assis?

Caro leitor, cara leitora, não se deixe levar pela tentação de estereotipar indivíduos pela escolaridade ou classe social em que estas se encontram. Você pode acabar descobrindo que mesmo sendo classe A, você ainda está na classe E.

P.S.: Nunca confunda conhecimento com inteligência. Há uma grande diferença entre essas duas palavras.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Sobre a música


(ao som de Wolfmother* – Joke and the Thief)

Peço antecipadamente o seu perdão. Sou pragmático no que diz respeito ao bom gosto musical. Ou você tem, ou não. Não existe meio termo. E gosto se discute sim meu senhor, minha senhora. Por isso te digo de antemão que você pode ler algo no desenrolar deste texto que o fará se sentir incapaz, inexpressivo e irracional, talvez até mesmo desprovido de inteligência e raciocínio.

Não que eu seja o dono da verdade ou mesmo um grande entendedor do assunto. Não toco nenhum instrumento. Tentei aprender violão mas não passei do "Pra não dizer que não falei das flores". Nem me arrisco a tentar algum outro. A sombra do fracasso parece me perseguir quando me pego em casa solando "Comfortably Numb" em uma guitarra ilusória. Acho que não consigo passar por mais uma decepção, logo, não toco nada. Também não canto. Nem mesmo hino de clube de futebol. Mas tenho um bom ouvido, uma conexão banda larga, leio muito sobre o tema e tenho mais de 7.000 arquivos MP3. Por isso me considero capaz de divagar um pouco sobre o assunto.

10 verdades sobre a música:

1. Funk é um dos melhores e mais ricos estilos musicais;
2. Britney Spears ainda é virgem, seus filhos são fruto de fertilização in vitro;
3. Música sertaneja não fala só de traição, amor, cachaça, rodeio e banco de praça;
4. Os integrantes do Village People não eram gays;
5. Negritude Jr., Os Travessos e Molejão são os melhores representantes da cultura brasileira;
6. Michael Jackson fez apenas três cirurgias plásticas e nunca se relacionou com crianças;
7. Axé é muito mais do que carnaval e trio elétrico;
8. Ozzy Osbourne nunca usou drogas;
9. Sandy & Júnior são o futuro da Música Popular Brasileira;
10. Elvis não morreu.

Àqueles que realmente acreditam que música clássica é chata, que rock n' roll é coisa de maconheiro, MPB é pra afeminados e blues é coisa de “preto” eu digo categoricamente que viver uma vida inteira sem o prazer de um inverno de Vivaldi, sem a ira de um solo de Jimmy Page, sem a profundidade de uma letra de Chico Buarque, sem a rica simplicidade de Muddy Waters, é como não ter vivido.

* Wolfmother me trouxe de volta a esperança de que um bom rock n' roll ainda pode ser feito.


segunda-feira, 10 de março de 2008

Sobre o iPhone

Há alguns meses tive minha primeira experiência com o iPhone, novo brinquedinho da APPLE. O dispositivo "relativamente" compacto transmite áudio, vídeo, possui câmera digital imbutida, oferece acesso à internet, conexão wi-fi e, pra nossa surpresa, funciona também como um telefone móvel!!!! O teclado é sensível apenas ao calor do toque humano. Você nem vai ter que preocupar em travar o teclado! Aliás, que comentário retardatário!... O smartphone possui teclado virtual e apenas 3 botões físicos, se não me engano.... Um mero detalhe.

Não sei... Sempre fui severamente criticada, mas não consigo assimilar inovações tecnológicas com desenvolvimento positivo, como a maioria o faz. Não tô aqui pra negar que conforto e qualidade de vida me agradam. Não mesmo!... Mas o que nunca consegui ignorar foi o questionamento à respeito das conseqüências à longo prazo.

Existem dados simplesmente incontestáveis. Hoje, crescimentos alarmantes no número de mortes por causas não-acidentais estão diretamente associados à insuficiência alimentar (o que NÃO diz respeito à insuficiência quantitativa), sedentarismo, estresse e depressão - abuso de álcool incorpora-se nestes últimos.

Índices de suicídios em países industrializados e desenvolvidos como Japão, Austrália(pasmem), Dinamarca e França só aumentaram, a partir da segunda metade do século XX.

Não dá pra discordar que desenvolvimento de mecanismos de saneamento básico, investimentos no setor farmacêutico e inovações na área médica ajudam gradualmente a elevar dados relacionados à expectativa de vida, mas, o que me preocupa é a Criação de necessidades que o desenvolver tecnológico revela dia após dia.

O ser humano sobreviveu milênios sem depender intrinsecamente de celulares, de automóveis, lavadoras de roupas, de armas químicas, porta-aviões e de arranha-céus; agora, eu tristemente admito que, levando o ritmo de vida padrão norte-americano que levo, não saberia O QUE FAZER sem uma lavadora de roupas! Adicione aí também uma secadora, porque o quarto que alugo num apartamento de 50 metros quadrados mal suporta minhas parafernálias, quem dirá um varal pra estender roupa molhada.Agora, só restam controvérsias. Ao passo em que nos tornamos dinâmicos e sofisticados, conquistamos vulnerabilidades cada vez mais expressivas. A natureza sempre reclamou, mas nunca fez tanto escândalo como agora, literalmente! California e Louisiana que o digam!

Desde que me mudei pra cá, idas ao supermercados sempre me trouxeram incômodos.

Primeiro pela elevação de preços de produtos ORGÂNICOS, que pra mim, só delineia a proximidade do apocalipse! NÃO tô exagerando, é sério e não ria.

Segundo, as uvas e as melancias. Desde que me entendo por gente tanto uva quanto melancia têm semente. E na real? .. faça-me o bendito favor! Praticamente todo ser humano é capaz de separar a semente da fruta. Convenhamos, não é um esforço tão desumano assim!

Terceiro, idas solitárias ao supermercado me deprimem! ... E nem se você me der um iPhone isso vai mudar!

MT

Texto escrito por MTMS, estudante, já viveu nos EUA, atualmente vive no interiorrrrrr de SP. Tem muita dificuldade para ligar a televisão, colocar o ferro de passar roupa para funcionar ou estourar uma pipoca no microondas. Não tem celular.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Sobre a inspiração

Pau na bunda daqueles que dizem que inspiração é papel e caneta na mão. O caralho que é. Escrever é foda, sem inspiração texto é informe publicitário de funerária. Repito: escrever é foda, ainda mais se for pra escrever a porra do texto sem palavrão.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Sobre o fim

Não que eu não tenha medo, às vezes até penso que ficar rodando por aqui por mais um tempo seria bom, mas segundo meu amigo Marcus* (é com “u” mesmo, tipo imperador romano) Vinícius** (também com “u”, como deve ser) o mundo acaba em 2012, algo a ver com inversão dos pólos or something like that, não entendi muita coisa, pois a explicação veio depois de uma dúzia de cervejas de qualidade duvidosa em um buteco (é com “u” mesmo) copo sujo, chão vermelhão, cachorro na porta e pote com ovos de codorna azulados. Too much information.

Só sei que não vai acabar em 2012. Acho até que não acaba mais. Não! Nem vem com a sua retórica tentando me convencer do contrário. Não acaba. Sem essa de dinossauros. Não, somos mais do que eles, seja em número, seja em inteligência. No doubt. Digo isso após ver um documentário da BBC chamado “Last Days on Earth” (não sei se tem tradução pra tupi). Trata-se de, se não me falha a memória, 8 possíveis causas para a extinção ou quase extinção da raça humana na Terra. Por trás, cientistas ditos “os melhores” em cada área. Tem MIT, Columbus, Harvard, Cambridge. Meia dúzia de prêmios Nobel e muito blá, blá, blá. Ah, tem também Stephen Hawking. God bless you.

Não que o documentário não seja bom, até é. O problema é que achei muito parcial, graças a um medo intrínseco que leva a teorias mirabolantes – pra não dizer lisérgicas – sobre como não deixar tudo acabar. Anyway, vale pelo aprendizado de física e pelo visual.

Back to the point. Não acaba! O documentário deixa claro que o ser humano tem um poder de superação quando submetido a pressões externas que não o deixa sucumbir. Tudo depende de onde e como pressionar, o ponto G da existência. Para todas as possíveis causas que podem varrer o ser humano da face dessa bolota azul existem soluções prontas, ou pelo menos prontas em teoria, no papel, mesmo que algumas sejam, como já disse, um tanto lisérgicas. Tudo depende da necessidade. By the way vale lembrar que superamos guerras, epidemias, furacões, enchentes, fome, pragas, discursos do Lula e - quase - toda sorte de mazelas. Necessitávamos de superação para não perecermos e nos superamos, no melhor estilo AAS – Armageddon American Style.

Logo, pode deixar de ser politicamente correto meu amigo, minha amiga. Vale jogar lixo e esgoto nos rios? Vale sim. Usar gasolina em V12 supercharged? Pé na tábua rapaz. Vale queimar florestas? Sem sombra de dúvidas. Viva cada dia como se fosse o último. Eu garanto, não será! Period.

*Marcus é publicitário, ou foi um dia, viveu nos Estados Unidos, já esteve na Inglaterra, jura que tem o título de sir, sempre mente quando perguntado sobre a nacionalidade “I am british”, daí o uso constante da língua inglesa no texto, como uma espécie de dedicatória.
**Vinícius é o mesmo indivíduo acima, apesar de ser uma personalidade distinta dentre as múltiplas presentes nesse peculiar marciano.

Segundo o professor Wolfgang Lutz, líder do International Institute for Applied Systems Analysis's Population Project, o cenário ideal para o final do século XXI seria o de uma população em torno de 6,5 bilhões. Entretanto, o cenário mais provável gira em torno de 10,35 bilhões de pessoas.

Sobre os heróis

Por vezes me pego imaginando as mil possibilidades que viriam bater à porta de minha humilde residência se eu tivesse poderes especiais. Ler mentes, movimentar objetos só com o pensamento, visão além do alcance, voar... Seria tudo tão mais fácil, não?

Nos devaneios vagos de uma tarde sufocante e ociosa de terça-feira veio à mente: Qual o motivo de precisarmos tanto de novos heróis? Ou velhos heróis recauchutados pela computação gráfica. Do final da década de 90 até hoje, um batalhão de semi-deuses bombardeia as telinhas e as telonas de todo o mundo, alguns saídos direto dos quadrinhos, como Spiderman, X-Men, Superman (recauchutado), Batman (recauchutado), Fantastic 4, Silver Surfer, Hulk, etc; outros criados para as séries de TV americanas, como Heroes, The 4400, Kyle XY, Smallville.

Lembro que cresci com os olhos pregados na televisão, vendo através de multifocais de espessura próxima à dos vidros do papa-móvel aqueles homens e mulheres tão especiais. Eles faziam coisas incríveis. Lutavam contra monstros maus, homens maus, fantasmas maus, enfim, lutavam contra o mal, e sempre venciam. Era tudo tão certo ou errado, tão mocinho e bandido, era como se houvesse uma barreira de concreto entre os dois lados, eram muito distintos. Eu com meus 6, 7, 8 aninhos já sabia quem era quem na história, de que lado ficar. E cresci lutando com espadas de plástico, estrelas ninjas de alumínio, armaduras de papelão. Acreditava mesmo que podia voar, tanto que insistia em pular da escada de casa com quase 4 metros de altura. Mas chegou o dia em que as pernas já doíam muito, a TV Manchete acabou e entraram novas personagens ao enredo já meio gasto, as garotas. Pronto, lá se foi o super-herói que vivia dentro de mim.

Hoje sou adulto, fica feio assistir Jiraya, Jiban, Lion Man, Black Kamen Rider. Agora tenho novos heróis, muito mais fortes que os de antes, e até mais humanos, acho que um deles até se parece comigo.

Eles são uma massagem no nosso ego, um placebo para nossa baixa auto-estima. Nos esquecemos de tudo que já conseguimos. Fomos à lua, sobrevivemos a pestes, maremotos, terremotos, colocamos toneladas de aço, carbono e titânio nos céus, levantamos um cristo que abraça toda uma cidade, oferecemos “liberdade” a povos antes oprimidos, desvendamos os segredos do genoma humano, descobrimos como sobreviver com um salário mínimo por mês. Mas tudo isso é pouco, ainda não somos super-heróis, estamos no meio, um pouco pra lá do insignificante, um pouco pra cá do notável.


Mas hoje o céu é o limite pra minha auto-estima. E te digo, caro leitor, com todas as letras, e em maiúsculo, e em negrito, e com exclamação no final: SOU MUITO MAIS EU! Quero ver super-herói estudar até seis da manhã e começar a trabalhar às oito. Quero ver super-herói trabalhar por três anos com apenas duas semanas de férias nesse entremeio. Quero ver super-herói passar noite em claro em um hospital com alguém cuja vida se esvai junto com as lágrimas que caem sobre o travesseiro. Quero ver super-herói fazer a namorada gozar três vezes sem parada pra água (isso acontece com a freqüência com que chove no Atacama, mas acontece). Quero ver super-herói empurrar Fusca velho em via de tráfego rápido. Quero ver super-herói andar 30 quadras em um frio de 15°C negativos, ralar em pé por 10, 12 horas e voltar as mesmas 30 quadras em um frio de 20°C negativos. Quero ver super-herói viver no Brasil. Repito: SOU MUITO MAIS EU!

terça-feira, 4 de março de 2008

Sobre a caminhada


E se foi. Sem contar as horas, nem mesmo os minutos. Foi sem ter medo do que encontraria à frente. Sem pensar no que viria depois daquela imprudente decisão. Mas foi com o coração limpo e a alma lavada, certo de que a vida lhe reservava surpresas mil. Foi sem pensar, sem titubear perante todos os perigos a as provações que a ele viriam, pois achava que assim como os arco-íris, a vida lhe reservava um pote de ouro no final da caminhada.

E eis que da luz veio a sombra, as pedras no caminho eram tantas que se rolava e não mais andava.

A persistência é a arte dos que não têm talento.

Mesmo com toda a luta, a guerra parecia perdida, o suor já parecia doce e os músculos não mais cansados, mas torpes.

E nessas horas o homem - ou mulher - se perguntam: Isso vale a pena? E eis que o poeta embriagado nos diz que “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.” E se a alma não for tão grande assim, nem tão pequena que não possa ser sentida? O que fazer com aqueles que estão no meio? Nem mais, nem menos. Aqueles que são meros mortais lutando por um pedacinho do manjar e um trago da ambrosia?

Esses sim, fazem do impossível um filme de faroeste com mocinhos e bandidos em lados bem diferentes, tiram das teclas da velha máquina de escrever sons que mais se parecem com rajadas de kalashnikovs.

E no fim, bem no fim de tudo, esses se sentem bem, um pouco cansados, mas parece que havia um sentido naquilo tudo, algo maior, que passa longe do auto-conhecimento ou da busca pelo seu ser interior de bondade, paciência, respeito.

Como diriam os 100% cariocas: Tudo 171. Ao final de tudo a busca passa a ser por uma desculpa que justifique tudo aquilo que não foi conseguido, apesar de almejado.

O ser humano, desde o dia em que se sentiu um pouco esperto por conseguir pular pra caverna ao lado e - com o perdão da palavra - traçar a macaca do próximo, passou a se esquivar de qualquer erro, de qualquer desaprovação, passou a viver em um estado de negação da própria essência, a imperfeição. A partir daí começamos a rolar montanha abaixo.

Por sorte, poucos chegam a entender isso, vivendo 70, 80, até 100 anos sem questionamentos, sem o “penso, logo existo”, para nossa sorte.

Quando este que os escreve diz nossa sorte, não quer dizer que você, leitor, esteja incluso nesse seleto hall com as fotos meio rasgadas e empoeiradas daqueles que se permitem ser imperfeitos, errar muito mais do que acertar, nem sempre aprender com o erro, daqueles que são humanos, no sentido menos lúdico da palavra.