segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Sobre o carrasco - Parte 1 - A infância

Na trajetória cheia de curvas em que se resume nossas vidas, sempre nos deparamos com alguns tipos estranhos e dementes. Sujeitos que parecem ter sido escarrados na face desse mundo para transformar nossas vidas em uma sucessão de mazelas.

Passei boa parte da infância tendo que me esconder do “Dersôn”, um maltrapilho com cabelo estilo estopa, que parecia planejar seus dias em função da minha humilhação pública e do medo que parecia farejar exalando dos meus poros. Começou por causa de um maldito óculos fundo de garrafa que minha mãe resolveu comprar e chumbar na minha cara recheada de tecido adiposo. Nada tão grave, não fosse o fato da armação ter o Mickey gravado em alto relevo de um lado e a Minnie do outro, além de uma haste flexível que contornava toda a estrutura da orelha e terminava logo abaixo do lóbulo com uma esfera de metal dourada, muito semelhante a um brinco.

Depois de esgotar todo seu repertório acerca da minha acuidade visual, ele resolveu partir para outro approach. Uma professora gorda, mal paga e infeliz não me deixou sair da sala em um momento de extrema disfunção intestinal e apesar de todo esforço, suor e calafrios, não foi possível segurar, me borrei todo. Já dá pra imaginar todo o universo de chacotas à disposição do Dersôn. Depois de quase um ano de intensivos insultos e perseguição, a piada já não tinha tanta graça, e eis que meu pai resolve entrar em cena.

Me lembro como se fosse hoje. Era uma sexta-feira nublada e razoavelmente fria. Tivemos, eu e mais dois amigos, a infeliz idéia de cabular aula pra tentar “zerar” o novo jogo de Super Nintendo que um deles acabara de ganhar do pai. Até então só se passava pela minha cabeça que esse seria um dia de folga do Dersôn e da velha e enrugada professora de História, a mesma que há alguns minutos havia ligado para o meu pai pra avisar que tinha me visto pular o muro da escola e seguir rumo à avenida João Naves de Ávila. Subi as escadas do colégio a socos, pontapés e gritos. Vários alunos presenciaram o ocorrido, inclusive meu carrasco, que estava a descansar das aulas em seu habitat natural, o pátio do colégio. Pronto, era repertório para mais um ano.

O tempo passou, o Dersôn foi expulso do colégio, veio a ser preso anos depois e provavelmente já vestiu o paletó de madeira.

Eu consegui chegar à adolescência e fui para um outro colégio. Ali começava mais um show de horrores.