
Passei boa parte da infância tendo que me esconder do “Dersôn”, um maltrapilho com cabelo estilo estopa, que parecia planejar seus dias em função da minha humilhação pública e do medo que parecia farejar exalando dos meus poros. Começou por causa de um maldito óculos fundo de garrafa que minha mãe resolveu comprar e chumbar na minha cara recheada de tecido adiposo. Nada tão grave, não fosse o fato da armação ter o Mickey gravado em alto relevo de um lado e a Minnie do outro, além de uma haste flexível que contornava toda a estrutura da orelha e terminava logo abaixo do lóbulo com uma esfera de metal dourada, muito semelhante a um brinco.
Depois de esgotar todo seu repertório acerca da minha acuidade visual, ele resolveu partir para outro approach. Uma professora gorda, mal paga e infeliz não me deixou sair da sala em um momento de extrema disfunção intestinal e apesar de todo esforço, suor e calafrios, não foi possível segurar, me borrei todo. Já dá pra imaginar todo o universo de chacotas à disposição do Dersôn. Depois de quase um ano de intensivos insultos e perseguição, a piada já não tinha tanta graça, e eis que meu pai resolve entrar em cena.
Me lembro como se fosse hoje. Era uma sexta-feira nublada e razoavelmente fria. Tivemos, eu e mais dois amigos, a infeliz idéia de cabular aula pra tentar “zerar” o novo jogo de Super Nintendo que um deles acabara de ganhar do pai. Até então só se passava pela minha cabeça que esse seria um dia de folga do Dersôn e da velha e enrugada professora de História, a mesma que há alguns minutos havia ligado para o meu pai pra avisar que tinha me visto pular o muro da escola e seguir rumo à avenida João Naves de Ávila. Subi as escadas do colégio a socos, pontapés e gritos. Vários alunos presenciaram o ocorrido, inclusive meu carrasco, que estava a descansar das aulas em seu habitat natural, o pátio do colégio. Pronto, era repertório para mais um ano.
O tempo passou, o Dersôn foi expulso do colégio, veio a ser preso anos depois e provavelmente já vestiu o paletó de madeira.
Eu consegui chegar à adolescência e fui para um outro colégio. Ali começava mais um show de horrores.