quarta-feira, 5 de março de 2008

Sobre os heróis

Por vezes me pego imaginando as mil possibilidades que viriam bater à porta de minha humilde residência se eu tivesse poderes especiais. Ler mentes, movimentar objetos só com o pensamento, visão além do alcance, voar... Seria tudo tão mais fácil, não?

Nos devaneios vagos de uma tarde sufocante e ociosa de terça-feira veio à mente: Qual o motivo de precisarmos tanto de novos heróis? Ou velhos heróis recauchutados pela computação gráfica. Do final da década de 90 até hoje, um batalhão de semi-deuses bombardeia as telinhas e as telonas de todo o mundo, alguns saídos direto dos quadrinhos, como Spiderman, X-Men, Superman (recauchutado), Batman (recauchutado), Fantastic 4, Silver Surfer, Hulk, etc; outros criados para as séries de TV americanas, como Heroes, The 4400, Kyle XY, Smallville.

Lembro que cresci com os olhos pregados na televisão, vendo através de multifocais de espessura próxima à dos vidros do papa-móvel aqueles homens e mulheres tão especiais. Eles faziam coisas incríveis. Lutavam contra monstros maus, homens maus, fantasmas maus, enfim, lutavam contra o mal, e sempre venciam. Era tudo tão certo ou errado, tão mocinho e bandido, era como se houvesse uma barreira de concreto entre os dois lados, eram muito distintos. Eu com meus 6, 7, 8 aninhos já sabia quem era quem na história, de que lado ficar. E cresci lutando com espadas de plástico, estrelas ninjas de alumínio, armaduras de papelão. Acreditava mesmo que podia voar, tanto que insistia em pular da escada de casa com quase 4 metros de altura. Mas chegou o dia em que as pernas já doíam muito, a TV Manchete acabou e entraram novas personagens ao enredo já meio gasto, as garotas. Pronto, lá se foi o super-herói que vivia dentro de mim.

Hoje sou adulto, fica feio assistir Jiraya, Jiban, Lion Man, Black Kamen Rider. Agora tenho novos heróis, muito mais fortes que os de antes, e até mais humanos, acho que um deles até se parece comigo.

Eles são uma massagem no nosso ego, um placebo para nossa baixa auto-estima. Nos esquecemos de tudo que já conseguimos. Fomos à lua, sobrevivemos a pestes, maremotos, terremotos, colocamos toneladas de aço, carbono e titânio nos céus, levantamos um cristo que abraça toda uma cidade, oferecemos “liberdade” a povos antes oprimidos, desvendamos os segredos do genoma humano, descobrimos como sobreviver com um salário mínimo por mês. Mas tudo isso é pouco, ainda não somos super-heróis, estamos no meio, um pouco pra lá do insignificante, um pouco pra cá do notável.


Mas hoje o céu é o limite pra minha auto-estima. E te digo, caro leitor, com todas as letras, e em maiúsculo, e em negrito, e com exclamação no final: SOU MUITO MAIS EU! Quero ver super-herói estudar até seis da manhã e começar a trabalhar às oito. Quero ver super-herói trabalhar por três anos com apenas duas semanas de férias nesse entremeio. Quero ver super-herói passar noite em claro em um hospital com alguém cuja vida se esvai junto com as lágrimas que caem sobre o travesseiro. Quero ver super-herói fazer a namorada gozar três vezes sem parada pra água (isso acontece com a freqüência com que chove no Atacama, mas acontece). Quero ver super-herói empurrar Fusca velho em via de tráfego rápido. Quero ver super-herói andar 30 quadras em um frio de 15°C negativos, ralar em pé por 10, 12 horas e voltar as mesmas 30 quadras em um frio de 20°C negativos. Quero ver super-herói viver no Brasil. Repito: SOU MUITO MAIS EU!

Nenhum comentário: